terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Gostar de música é complicado.

Logo que saiu a lista de atrações do Planeta Atlântida desse ano, refiz a mim mesmo uma pergunta que já se tornou recorrente há algumas edições do (já) tradicional evento do litoral gaúcho: será que a amplitude de estilos e gêneros contemplados no evento (pop, rock, rap, reggae, axé, pagode, sertanejo - provavelmente esqueço alguns) não provoca algum “desconforto” no público? Ou será que a grande maioria das pessoas gosta mesmo de música, quaisquer que sejam os formatos ou roupagens? Desconfio que essa minha visão generosa pouco tem a ver com a realidade. Infelizmente.
O Planeta, há algum tempo, já deixou de ser um evento “musical” por excelência – visão minha. O que ocorreria, segundo meu ponto de vista, seria um fenômeno parecido com o que carrega centenas de milhares de pessoas aos balneários do Rio Grande do Sul todos os fins-de-semana do verão e que as leva a enfrentar os intermináveis engarrafamentos, filas e multidões nessas pequenas cidades, sempre mal aparelhadas para tamanho acréscimo populacional, o que contribui para momentos paradoxalmente estressantes para essas pessoas, que acorrem ao litoral em busca de descanso.
O que nos motiva nesse caso é a nossa tendência ao gregarismo.
Estamos sempre prontos ao sacrifício em nome de sentirmo-nos incluídos. O Planeta virou um desses eventos onde ir é estar incluído. Mais do que isso: virou – opinião minha, de novo – um tipo de rito de iniciação para adolescentes.
A música, sob essa ótica, é um simples pano de fundo, ou torna-se isso cada vez mais. Logo, é imperativo que ela não atrapalhe. Os artistas vestem a pele – alguns não tem mesmo outra – de meros entertainers. O gênero, nesse cenário, é completamente secundário, irrelevante até.
Mas esse panorama pode ter outros desenrolares: dá para dizer que essa atitude revela que essas pessoas, na verdade, talvez não gostem de música. Será que isso é possível?
Para explicar essa teoria, vou recorrer a uma analogia, ou até mais de uma. Uma pessoa que vai a um restaurante para encontrar os amigos e pretende que a comida e a bebida simplesmente não atrapalhem, mas simplesmente correspondam às suas expectativas. Ela encontra nessas expectativas o parâmetro segundo o qual o restaurante deve elaborar sua comida ou servir a bebida. Nada de errado até que esse fenômeno não se transforme num padrão. Logo, todos os restaurantes, ou a maioria deles, ficarão muito parecidos, buscando adaptar-se às expectativas de seus frequentadores, que, na verdade, prestam muito pouca atenção a eles, a não ser quando eles contrariam as suas expectativas. Chato, não? Nenhum espaço para algum desafio ao paladar.
Um dia alguém disse que o Big Mac foi elaborado visando agradar ao maior número possível de pessoas, o que ele, obviamente, consegue. O preço é um produto meio que despersonalizado. Aquele que você procura quando não está a fim de uma experiência nova ou mesmo de pensar numa alternativa mais criativa para a sua refeição. Ou seja, quando não está com paciência para pensar em comer, só quer encher a barriga, sem surpresas e rápido.
Ora, a música é – ou deveria ser – uma forma de arte, e arte nada tem a ver com conformismo. Os críticos de artes plásticas costumam chamar, pejorativamente, pinturas ou esculturas feitas para compor ambientes de “arte decorativa”. Há algum tempo atrás, o termo para a música “decorativa” era muzak. Sua expressão mais radical pode ser encontrada naquelas rádios para a quarta idade, que tocam apenas antigos sucessos com arranjos adocicados, inofensivos aos ouvidos. Podem também ser ouvidas nos principais elevadores da cidade. Na década de 80, um estilo nasceu nesse rastro, o New Age. Pretensamente autointitulada de música para uma nova era, essas músicas compunham, exclusivamente, um fundo musical para a vida das pessoas, nada para se pensar sobre, mas simplesmente buscavam não atrapalhar e, em alguns casos, ambicionavam acalmar as pessoas. Nessa “nova era”, possivelmente, a música seria algo realmente desimportante. E chata.
As pessoas possuem diferentes tipos de relação com a música. Um sintoma: os principais sites de venda de música pela rede, como o iTunes, registram uma preponderância indiscutível na aquisição de músicas em relação a álbuns.
Nascido na década de 60, com o disco Sgt. Peppers…, dos Beatles, o conceito de álbum elevou o patamar de pretensão da música pop. Não se tratava de um simples amontoado de músicas abrigadas numa mesma peça de vinil, mas surgia a ideia de uma linha narrativa norteando e emprestando um sentido único a cada música em particular. O “todo” não sobreviveria, ou pelo menos não teria o mesmo sentido sem o conhecimento das partes*. E nem todas as partes são hits ou têm potencial para tal, o que exigia um certo “esforço” dos ouvintes, coisa que parece passar longe de nós ao ouvirmos música.
Nós parecemos buscar, cada vez mais, o recheio do sanduiche. Para que perder tempo com o pão, não é? Aliás, o que é mesmo um sanduiche, já que o próprio conceito se esvazia? Não estamos ficando um pouco preguiçosos? Não estamos nos acostumando muito a ser paparicados pelos nossos “fornecedores”? Não estamos ficando muito tempo na frente de programas e sites que nos sugerem do que gostar ou não e estamos nos acostumando com isso?
Acho que não tem jeito. Para gostar de música, mesmo – e descobrir como fazê-lo é um privilégio – , é preciso estabelecer algum compromisso que envolva tirá-la daquele lugar secundário de nossa vida. É uma escolha particular e pode ser ampliada para as mais diversas esferas de nossa existência: literatura, pintura, teatro, cinema, enfim, a vida. Ou essas coisas todas não são, ou buscam, traduzi-la?
*(ver artigo de Eduardo Vicente, disponível em http://www.compos.org.br/pagina.php?menu=8&mmenu=&ordem=1D&grupo1=&grupo2=)

7 comentários:

  1. Pior que é complicado mesmo...eu não gosto de rap,axé, pagode, sertaNOJO...hehe.O que às vezes me irrita é a "criatividade" de algumas letras desses estilos aí.Pq têm músicas que a letra é só uma frase e fica repetindo várias vezes a mesma coisa. =( (Não sei como conseguem lançar um cd assim...)Por isso que eu prefiro o Ndn!!!O/hehe. Muito legal o post,Carlos!

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  3. Bom, existem pessoas que se emocionam ao ouvir funk...hehehe. Ainda bem que ainda não inventaram de colocar isso no Planeta, porque daí seria complicado de verdade. Muitas pessoas se conformam em ouvir o que está tocando, e o pior, acabam gostando que qualquer estilo. Já ouvi muitas reclamações de planetários que gostariam que apenas tocasse no festival o que toca na rádio, mas isso não acontece, e acho difícil voltar a acontecer. Fui uma vez ao Planeta, em 2006, quando o Nenhum de Nós tocou juntamente com Humberto Gessinger (só para constar: foi principalmente pelo NdN que eu fui). Naquele ano a única apresentação fora dos padrões da rádio foi a da Ivete Sangalo. Me sinto perdida nesse universo de "músicas" com letras infames, que não fazem sentido algum. Mas sou extremamente feliz por ter o NdN como trilha sonora da minha vida. Espero que continuem tocando nossos corações por muitos anos mais, pois precisamos de vocês.

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  4. Só para "constar":

    Saudades de quando o planeta era o MELHOR evento do ano. Palmas para a "descerebralização".

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  5. O planeta está pior a cada ano, acho praticamente impossível voltar aos bons tempos.

    Lu de Curitiba.

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  6. Fui no Planeta esse ano. Logo eu, que sempre preguei a idéia de "Planeta só com o Nenhum!" Fui ver o Duca Leindecker e o Zeca Baleiro. Só. Nem no palco principal eles não estavam (sorte minha), era um tal de Palco Voador. Pude ver com meus próprios olhos esse "rito de iniciação de adolescentes". Deprimente. O pessoal não vai mesmo pros shows. Agora o forte do Planeta são as tais das "tendas". De onde eu estava, dava pra ouvir as músicas vindas de lá... "Glamurosa, rainha do funk", "Créu" e derivados. Péssimo. Uma pena. Poderia ser um evento muito bom.

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  7. Seriam legais sugestões tuas de sons com recheios diferentes do recheio do BigMac!

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