domingo, 11 de janeiro de 2009

Alquimias

Todo mundo já ouviu falar a respeito dos alquimistas. Essas pessoas lidavam – e ainda lidam - com diversas substâncias e buscavam, entre outras coisas, a transmutação de metais menos nobres em ouro. Sempre me perguntei se eles conheciam algum princípio de economia, porque o que confere valor ao ouro, além do seu brilho amarelo, é a sua raridade. Quando fosse possível fazer ouro de qualquer metal, ele se converteria em algo banal e sem valor.
Quando você fazia – algum – sucesso com música, sempre vinha a pergunta: qual a “fórmula” do sucesso?
Isso aconteceu bastante conosco entre 1988 e 1990, depois que emplacamos Camila e Astronauta de Mármore em sequência. Costumo dizer que Camila foi a única música que fizemos nesses vinte e poucos anos de carreira que tive a convicção de que seria um “sucesso”. Logo nos primeiros ensaios ela mostrou a que veio. Lembro que não conseguiamos parar de tocá-la, e toda a vez que repetiamos, eu me arrepiava.
Em nossa trajetória, várias de nossas músicas me produziram uma sensação parecida, algumas delas eu até gosto mais que de Camila, mas nenhuma como naquela vez.
Posso dizer que, de alguma forma, fizemos ouro naquele dia, em 1986.
Com Astronauta aconteceu radicalmente o contrário. A música foi gravada no meio de uma sessão conflituosa no estúdio, depois de uma discussão intensa com nosso produtor, Reinaldo Barriga. Gravamos como vínhamos tocando nos shows, em inglês, foi o Reinaldo quem nos convenceu a versioná-la, coisa de que não tínhamos nenhuma convicção àquela altura. Mas – é público e notório – fizemos a versão de Starman, de David Bowie, uma música nem muito conhecida dentro do próprio repertório do autor, que viria a ser conhecida como Astronauta de Mármore.
O que interessa é que não tínhamos nenhuma convicção a respeito de Astronauta vir a ser um sucesso. Nos shows ela era um “buraco” no repertório, a hora de sair para comprar mais cerveja, até que um radialista no Rio – Andrews - resolver apostar nela. Sua visão se demonstrou vencedora: foi uma das músicas mais tocadas no país em 1989, senão a mais tocada. Fizemos ouro de novo, desta vez por um acidente completo.
O que esses dois exemplos provam é que, se existe alguma fórmula secreta para o sucesso, nós a desconhecemos. Mas o caso de Astronauta teve um desenrolar previsível que me remeteu ao caso dos alquimistas: várias versões de músicas estrangeiras começaram a surgir na mesma época, todas tentando reproduzir o fenômeno da nossa. Mas o brilho amarelo já não surpreendia ninguém.
Um dos paradoxos do “sucesso” é que, quanto maior a sua conquista, a expectativa é que ele se mantenha ou cresça, senão vira fracasso.
É como tentar subir numa escada rolante que desce, se diminuir o ritmo ou parar, o destino é o ponto de partida. Não é difícil imaginar o que isso pode fazer com a cabeça de alguém.
O problema é que o sucesso virou um conceito banal, matemático. Ele é medido pela exposição em rádio, TV, jornais e revistas, em números de vendas de discos e DVDs. Enfim, parâmetros que são domináveis pela imensa maioria das pessoas, facilmente mensuráveis. Até aí tudo bem, a exposição pode vir respaldada no interesse público pela trajetória e produção de determinado artista. Só que existem outros fatores envolvidos.
O pessoal de rádio, TV, revistas e jornais não é bobo. Eles enxergam em seus veículos um ativo fundamental para a carreira desses artistas. Não seria justo, então, que os dividendos decorrentes desses ativos fossem divididos? Afinal, vivemos num sistema capitalista: se eu tenho algo que lhe interesse, seria burrice minha não capitalizar essa nossa relação (convém observar que nem sempre há dinheiro envolvido nessas trocas). Só que isso desvirtua um pouco o conceito de sucesso, não? Ele fica, assim, vinculado exclusivamente à capacidade de investimento e negociação de alguns. É, a roda é melhor redonda.
É bem importante notar que falo do caso geral. Existem exceções, mesmo.
Quando começamos e emplacamos Camila e Astronauta, os veículos eram, na média, mais susceptíveis aos interesses de seus receptores, tanto quanto me lembro. Eram tempos diferentes em que podíamos desenvolver a fé de que uma boa música era capaz de alcançar qualquer distância, de romper quaisquer barreiras. Isso ainda acontece, mas, infelizmente, me parece um fenômeno cada vez mais raro.
Engraçado que vejo cada vez menos a pergunta sobre a “fórmula do sucesso”. Nem para artistas de muito sucesso. Acho que ela já virou de conhecimento público, não precisa mais ser feita, e se for feita e respondida, só há dois caminhos: hipocrisia ou constrangimento.

Um comentário:

  1. É muito triste perceber em muitas pessoas que o "seu ouro" é mensurado simplesmente pelo valor real, considerando apenas o que se ganha e o que se perde para (re)produzir o que se tem de melhor. Passamos a vida em busca do nosso ouro pessoal... felizes os que conseguem encontrar em si o que tem de especial, raro e único. Esse é o melhor ouro, o mais brilhante, o que garante sucesso em tudo o que se faz.

    ResponderExcluir