terça-feira, 13 de setembro de 2011

Frio na Barriga

Um repórter comenta num camarim: depois de mais de mil e tantos shows,
aposto que vocês nem sentem mais nenhum friozinho na barriga antes de
tocar.

Costumo responder que, se não tiver friozinho na barriga não tem mais
graça. Juro, não é demagogia. Trabalho para fazer com que na minha
cabeça, cada show, mesmo os não tão legais, sejam únicos e especiais.
Soa batido, eu sei, mas quando olho as pessoas de lá de cima do palco vejo
gente que, desde que acordou pela manhã, ou mesmo antes, dizia para si
mesmo: “é hoje!” não consigo esconder um puta orgulho de protagonizar
esses momentos.

Imagino alguns escolhendo cuidadosamente a roupa, cuidando do cabelo
com um pouco mais de demora, trocando mensagens com os amigos,
combinando o aquecimento.

Há quem fique impassível diante disso. Não é o meu caso. Me recuso a
assumir como um privilégio para o público a simples visão da banda em cima
do palco. Ia ser, para mim, o fim se fosse assim.

Nem sempre está tudo certo comigo quando subo no palco. Como é fácil de
imaginar, temos nossos problemas fora e dentro da banda e é quase
impossível relevar tudo na hora do show. Se trata, então, de transformar
energias de cargas diversas em um momento inesquecível para aqueles que
foram nos assistir.

Hoje temos a felicidade de fazer shows para milhares de pessoas. Nem
sempre foi assim, e eu não esqueço daqueles que fizemos para uma dezena
ou menos. Eles foram inesquecíveis pricipalmente por um motivo: foram
grandes shows. Alguns dos melhores. Fizeram valer a dedicação daqueles
poucos que encararam aquela noite, como nós, como uma noite única. E
tiveram, como sempre, o velho e bom friozinho na barriga que faz tudo valer
a pena.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Às vezes você não tem a sensação de que as pessoas não gostam muito de você?

“Às vezes você não tem a sensação de que as pessoas não gostam muito de
você?”

Ela ouvia em silêncio, mas me olhava fixamente. Estaria prestando atenção?
E o silêncio? Poderia significar que ela concordava com o que havia dito, que
compartilhava, eventualmente, dessa mesma sensação ou que concordava,
por qualquer motivo, com aqueles que não gostavam de mim. Quem poderia
gostar de alguém tão paranóico, ou mesmo egocêntrico, que achava que
alguém perderia um único segundo de sua existência procurando algum
motivo para desgostar de si próprio? Estava chafurdando no buraco,
escavando mais e mais e me afundando mais e mais.

A razão daquele papo é que estava triste e queria, no fundo, ouvir algumas
palavras doces, mesmo que não fossem sinceras. Estava aprendendo de
novo que, cada vez mais, tinha de aprender a sair sozinho dos buracos que
cavava. Era um processo demorado que demandava a escuta repetida de
dois ou três discos, um ou outro filme e uma garrafa de vinho.

Impossível ignorar a sensação de que estava ficando sem interlocutores para
aqueles tipo de conversa. Não tinha mais amigos. Uma triste mas necessária
constatação que tinha um óbvio lado melancólico, mas que deixava tudo mais
claro e trazia embutida a solução para esses momentos: tenho que me virar
sozinho.

Sempre me julguei um bom ouvinte para essas horas. Sou um bom
massagista de egos e não faço isso com muito esforço. Um lado de mim
reforça, constantemente, os motivos para gostar dos outros, embora, claro,
os defeitos alheios me cansem também mas, quem não os têm? O fato é que
me considero um bom amigo nesses momentos, o que não tem contribuído
muito para mantê-los mais próximos de mim.

Tento exercer minha generosidade compilando os meus defeitos como uma
forma de desenvolver mais tolerância para com os defeitos dos outros. Essa
compilação, contudo, foi ficando volumosa. Um livro de umas quatrocentas
páginas que acabou me intimidando na hora de procurar os amigos e foi,
aos poucos, gerando um afastamento que nada teve de voluntário e que
abriu a porta para um pouco de amargor que foi tirando a energia para
reverter essa situação. Fui desenvolvendo, por isso, uma pretensa
independência, uma sensação de que posso me virar sozinho com minhas
angústias existenciais. Tudo isso embalado por um bom tinto e alguma
música condescendente. Mais do que isso: comecei a gostar, doentiamente,
de tudo isso, em alguns momentos.

Alguém disse, um dia, que muita coisa boa foi criada por pessoas dentro
desse estado de espírito. Gostaria de acreditar. Tudo o que produzo quando
estou assim não resiste à luz do sol da manhã seguinte. Não. Um gênio
angustiado pode estar angustiado, mas antes de tudo, é um gênio. Só o que
muda é a paleta de cores que ele usa.

“É, acho que tenho algo parecido, mas não em relação a TODO MUNDO,
sabe? Só em relação à algumas pessoas”.

A pior resposta. Tirou a ação do meu personagem. Será que é tão
complicado para alguns compreender quando você está a fim de ser um
pouco bajulado?

“Não!! Eu tenho essa sensação em relação a TODO MUNDO (usei a mesma
entonação). A TODA E QUALQUER PESSOA QUE CRUZE COMIGO PELA
RUA E TODA E QUALQUER PESSOA COM A QUAL TENHA QUALQUER
TIPO DE CONVERSAÇÃO (já estava começando a soar caricata a minha
imtação dela).”

“Isso inclui a mim?”

“Não incluía até agora há pouco, mas já começo a pensar que escolhi a
pessoa errada para coversar.”

“Sabe qual é o seu problema?”

“Posso fazer uma lista, mas aviso que vai demorar para escrever e acho que
você não vai ter paciência para ler”.

“Aí está o seu problema! Você exagera em tudo!”

Não!!! Me enganei. ESSA era a pior resposta possível! Tudo o que eu
precisava agora era de alguém diminuindo a minha sensação de angústia,
banalizando a coisa. A próxima fala poderia ser: vai a um shopping e compra
alguma coisa que passa essa tristeza.

“Quer dizer que eu me sentir assim é só um EXAGERO da minha parte?” (a
entonação de novo).

“Sim. Quero dizer, é normal as pessoas se sentirem assim de vez em
quando. Não tem nada de errado nisso. Errado é valorizar demais a coisa,
assim como você está fazendo”.

Por alguma razão, o que ela disse fazia algum sentido e por algum motivo,
atrás da minha raiva crescente, consegui perceber aquele sentido e isso me
fez pensar que eu podia, de fato, estar exagerando mesmo. Mais uma página
para o compêndio de meus defeitos: tendo a exagerar nas coisas negativas.
Pode ser uma desculpa para me embriagar, eventualmente...
Pensando assim... parece um pouco patética aquela minha sensação de
alguns minutos atrás.

Ficamos nos olhando por alguns segundos em silêncio e logo desatamos a rir
descontroladamente. Rimos até as lágrimas. Paramos e então rimos mais e
mais. O garçom do bar nos olhou de um jeito divertido. Entre lágrimas falei:

“Traz dois cálices de vinho, por favor?”