terça-feira, 6 de setembro de 2011

Às vezes você não tem a sensação de que as pessoas não gostam muito de você?

“Às vezes você não tem a sensação de que as pessoas não gostam muito de
você?”

Ela ouvia em silêncio, mas me olhava fixamente. Estaria prestando atenção?
E o silêncio? Poderia significar que ela concordava com o que havia dito, que
compartilhava, eventualmente, dessa mesma sensação ou que concordava,
por qualquer motivo, com aqueles que não gostavam de mim. Quem poderia
gostar de alguém tão paranóico, ou mesmo egocêntrico, que achava que
alguém perderia um único segundo de sua existência procurando algum
motivo para desgostar de si próprio? Estava chafurdando no buraco,
escavando mais e mais e me afundando mais e mais.

A razão daquele papo é que estava triste e queria, no fundo, ouvir algumas
palavras doces, mesmo que não fossem sinceras. Estava aprendendo de
novo que, cada vez mais, tinha de aprender a sair sozinho dos buracos que
cavava. Era um processo demorado que demandava a escuta repetida de
dois ou três discos, um ou outro filme e uma garrafa de vinho.

Impossível ignorar a sensação de que estava ficando sem interlocutores para
aqueles tipo de conversa. Não tinha mais amigos. Uma triste mas necessária
constatação que tinha um óbvio lado melancólico, mas que deixava tudo mais
claro e trazia embutida a solução para esses momentos: tenho que me virar
sozinho.

Sempre me julguei um bom ouvinte para essas horas. Sou um bom
massagista de egos e não faço isso com muito esforço. Um lado de mim
reforça, constantemente, os motivos para gostar dos outros, embora, claro,
os defeitos alheios me cansem também mas, quem não os têm? O fato é que
me considero um bom amigo nesses momentos, o que não tem contribuído
muito para mantê-los mais próximos de mim.

Tento exercer minha generosidade compilando os meus defeitos como uma
forma de desenvolver mais tolerância para com os defeitos dos outros. Essa
compilação, contudo, foi ficando volumosa. Um livro de umas quatrocentas
páginas que acabou me intimidando na hora de procurar os amigos e foi,
aos poucos, gerando um afastamento que nada teve de voluntário e que
abriu a porta para um pouco de amargor que foi tirando a energia para
reverter essa situação. Fui desenvolvendo, por isso, uma pretensa
independência, uma sensação de que posso me virar sozinho com minhas
angústias existenciais. Tudo isso embalado por um bom tinto e alguma
música condescendente. Mais do que isso: comecei a gostar, doentiamente,
de tudo isso, em alguns momentos.

Alguém disse, um dia, que muita coisa boa foi criada por pessoas dentro
desse estado de espírito. Gostaria de acreditar. Tudo o que produzo quando
estou assim não resiste à luz do sol da manhã seguinte. Não. Um gênio
angustiado pode estar angustiado, mas antes de tudo, é um gênio. Só o que
muda é a paleta de cores que ele usa.

“É, acho que tenho algo parecido, mas não em relação a TODO MUNDO,
sabe? Só em relação à algumas pessoas”.

A pior resposta. Tirou a ação do meu personagem. Será que é tão
complicado para alguns compreender quando você está a fim de ser um
pouco bajulado?

“Não!! Eu tenho essa sensação em relação a TODO MUNDO (usei a mesma
entonação). A TODA E QUALQUER PESSOA QUE CRUZE COMIGO PELA
RUA E TODA E QUALQUER PESSOA COM A QUAL TENHA QUALQUER
TIPO DE CONVERSAÇÃO (já estava começando a soar caricata a minha
imtação dela).”

“Isso inclui a mim?”

“Não incluía até agora há pouco, mas já começo a pensar que escolhi a
pessoa errada para coversar.”

“Sabe qual é o seu problema?”

“Posso fazer uma lista, mas aviso que vai demorar para escrever e acho que
você não vai ter paciência para ler”.

“Aí está o seu problema! Você exagera em tudo!”

Não!!! Me enganei. ESSA era a pior resposta possível! Tudo o que eu
precisava agora era de alguém diminuindo a minha sensação de angústia,
banalizando a coisa. A próxima fala poderia ser: vai a um shopping e compra
alguma coisa que passa essa tristeza.

“Quer dizer que eu me sentir assim é só um EXAGERO da minha parte?” (a
entonação de novo).

“Sim. Quero dizer, é normal as pessoas se sentirem assim de vez em
quando. Não tem nada de errado nisso. Errado é valorizar demais a coisa,
assim como você está fazendo”.

Por alguma razão, o que ela disse fazia algum sentido e por algum motivo,
atrás da minha raiva crescente, consegui perceber aquele sentido e isso me
fez pensar que eu podia, de fato, estar exagerando mesmo. Mais uma página
para o compêndio de meus defeitos: tendo a exagerar nas coisas negativas.
Pode ser uma desculpa para me embriagar, eventualmente...
Pensando assim... parece um pouco patética aquela minha sensação de
alguns minutos atrás.

Ficamos nos olhando por alguns segundos em silêncio e logo desatamos a rir
descontroladamente. Rimos até as lágrimas. Paramos e então rimos mais e
mais. O garçom do bar nos olhou de um jeito divertido. Entre lágrimas falei:

“Traz dois cálices de vinho, por favor?”

2 comentários:

  1. Uma crônica atormentadora, adorável e original! Mas como conseguir juntar todas essas características num só momento!? Não basta talento é preciso também uma boa dose de sensibilidade, mas daquelas raras, de pessoas que conseguem sentir a vida pulsando em suas veias, intensamente... A vida é feita de paradoxos, momentos que nos deixam perplexos, que muitas vezes fogem de nossa compreensão racional... e são mais próximos de nossas emoções e sentimentos... que correm e fluem como as águas do oceano... a banhar as areias selvagens de uma praia deserta. Fui tocada pela perplexidade do personagem, seu tom inquisidor... e adorei o final, quando juntos, percebem que a vida é uma porção de sensações... e celebram em risos de alegria e cálices de vinho o encontro de, quem sabe, uma nova forma de sentir e perceber a vida. Fiquei aqui pensando se as sessões de terapia não seriam bem melhores se terminassem aos risos... ao se constatar que a vida é realmente imperfeita e impermanente, mas que nós temos em nosso coração os antídotos pra nossas próprias confusões. ;)
    Meu blog: http://tatylotusecret.blogspot.com/

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  2. Carlos,
    ja tem algum tempo que ando lendo seu Blog
    tenho gostado muito!!!

    Aproveitando
    valeu pela palheta que ganhei em Divinópolis
    ela foi a segunda que você me deu
    tem um significado enorme pra mim

    Pedro Henrique [pedro.henrique0812@hotmail.com]
    abração

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