terça-feira, 6 de julho de 2010

Café frio

E tem esse sujeito, conhecido meu, torcedor arrebatado da seleção
holandesa. É isso mesmo: torce para a Holanda! Aquela das vacas, dos
tamancos e dos moinhos de vento. Desnecessário dizer que anda muito feliz
nos últimos dias.

Passa dia, passa outro, fico me perguntando: porquê o inferno da Holanda?
Teve aquele time de 74, o carrossel que ensinou ao mundo o futebol além de
um conjunto de individualidades. Era um time revolucionário, certo.
Apaixonante, ok, MAS ISSO FOI HÁ 36 ANOS! Meia vida! Porquê o inferno
da Holanda, não cansava de me perguntar.

Mais uns dias, já estava desejando que os países baixos sucumbissem a
uma onda gigante e já via benefícios no aquecimento global: o mar, enfim,
faria o sujeitinho engolir as evidências.

Um dia me enchi: o convidei para um café no meio da tarde. Minha intenção
era demover o ignóbil de tamanha estupidez. Holanda não! Sou capaz de
entender qualquer escolha, menos essa.

Chegando ao nosso encontro, num café estilo aqueles europeus que a gente
vê nos filmes antigos, madeira escura, iluminação suave, cortinas, janelas
altas com vidros de cristal e o cheiro achocolatado dos bons fumos
entranhado no ambiente. O lugar estava vazio. Ótimo, pensei, já que talvez
tivesse que passar uma descompostura no ignorantão e não queria ter que
moderar o tom.

Pois não é que o sujeito ainda me obrigou a esperar uns bons vinte minutos?
Era muito desrespeito, mas tudo bem. Aproveitei o tempo para afinar o meu
discurso, montando uma armadilha argumentativa inescapável. Ia ficar
rodopiando, o laranjinha.

Lá pelas cansadas ele chega, desligando o celular, meio esbaforido. Na certa
fingindo ocupação, mas se desculpou pelo atraso que, àquela altura nada
tinha de pequeno. Café? Sim. Simples ou duplo? Simples. (vai ser barbada, pensei).

Comecei meu pequeno roteiro. Como vai a vida? Qua anda fazendo? Ele
parecia, de alguma forma, desconfiado com o meu convite inédito, mas aos
poucos foi relaxando, afrouxando a defesa. Senti que a hora de atacar se
aproximava. Tem viajado? Já conhece a Europa, né? Sim. (arrá!).

Tentava aos poucos investigar os motivos de tal insanidade. Precisava de
pedras para as vidraças dele e ele as forneceria. Quais países conheceu?
Inglaterra, Espanha, Alemanha, Polônia, Holanda (arrá, de novo!!), Portugal.
E qual o que gostou mais, e porquê? (meio didático, eu sei, mas começava a
ficar ansioso. Tomei um gole de café. Frio. Ignorei, não queria mudar o rumo
da conversa) Inglaterra, disse ele, depois de um tempo. Vi shows fantásticos
lá e fui a lugares inesquecíveis que ele começou a descrever em detalhe.
(Inglaterra! Só podia ser provocação. Será que ele desconfiou dos meus
motivos? Impossível. Será que me denunciei quando ele falou Holanda? será
que não percebi e ergui o canto da sobrancelha à vista do ângulo
desguarnecido?)

De qualquer forma, já não ouvia uma única palavra do que
ele dizia. Eu era um tigre divisando minha presa.Tinha que ser agora! Pulei
na jugular: pois então me explique, já que não consigo enxergar nenhuma
razão para isso, porquê com o inferno você anda por aí envergando a
camiseta da seleção holandesa ao invés da canarinho ou de alguma outra
seleção cuja motivação seja minimamente justificável? Me explique isso
agora.

O sujeito levantou, genuinamente indignado: você não me peça para
racionalizar minha paixão! Paixões são assim, pairam acima das explicações,
senão morrem! Além do mais, no caso do futebol, que é o império das
paixões, isso representa mesmo um perigo! Diante do meu ar de
incompreensão e temor ante seu tom seguro ele prosseguiu: veja o nosso
caso, eu torço para o Grêmio e você para o Inter. Se eu tivesse que
transformar em racional minha escolha passional pelo tricolor teria que,
forçosamente, julgar irracional a sua escolha e achá-lo, no mínimo, um
imbecil por torcer para o colorado e tenho muitos amigos que torcem para o
Inter e não quero nem de longe cogitar a possibildade de começar a enxergar
meus amigos por esse prisma, portanto, nem comece! Minha paixão, meus
deboches e brincadeiras se restringem ao mundo da bola, e só a ele.
Aprenda a brincar!

Dito isso saiu de passo firme, me deixando com as reminiscências e a conta
do café frio.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

China 2


Sulistas, não estamos acostumados às feições orientais. Temos poucos descendentes de chineses, japoneses, coreanos e outras etnias de olhos amendoados por aqui.

Quando era menor, assistia a programas que diziam os orientais ser todos iguais, impossível diferenciar uma pessoa da outra. Ainda bem que mudei de canal.

Talvez por esses motivos tenha ficado fascinado em investigar aquelas faces em busca de peculiaridades que as distinguissem. Para minha surpresa, foi muito fácil. Mais que isso. Logo comecei a descobrir a harmonia particular daqueles traços.

Essa circunstância me colocou, por outro lado, diante de uma situação nova: qualquer pessoa via de longe que eu era estrangeiro, o que representava ao mesmo tempo uma vantagem e uma desvantagem. Dependendo dos lugares aonde ia, me sentia um pouco evitado, talvez pela timidez de terem que falar comigo em inglês ou outro idioma que dominassem ainda menos ou então era – literalmente – perseguido por pessoas querendo me vender alguma coisa, uma vez que para os chineses (alguém me disse isso) nós ocidentais somos todos “ricos”.

Mas uma coisa posso – e devo – afirmar com certeza: nunca faltaram faces sorridentes e prestativas para mim todos os momentos que precisei, exceto alguns motoristas de táxi que, muito seletivos, às vezes se recusavam a nos levar para o hotel. Ficávamos balançando o cartão com o nome enquanto eles seguiam em frente, sem muitas explicações. Se explicavam também, fazia pouca diferença. Queria só poder ver a minha cara enquanto falavam comigo!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

China 1


Onze ou doze horas de viagem até Paris, um rápido desembarque, mais onze ou doze até Shanghai – grafia americana, mais fiel à pronúncia. O avião tinha um recurso interessante: a tela permitia acompanhar, em animação, o percurso do avião e sua localização. Percorremos boa parte do tabuleiro do War: Aral, Dudinka e Mongólia.
Outro recurso era uma imagem de câmera, não de animação, que mostrava o terreno abaixo do avião. A maior parte do percurso mostrava nuvens, montanhas e campos. Foi para lá que corri quando a animação mostrou que sobrevoávamos a cidade. Um misto de ansiedade, afinal, já eram mais de vinte horas de voo e a vontade de antecipar a experiência. Eu era o astronauta e a China o planeta desconhecido. Sabe lá como é a China? A China!
Não tenho como ter certeza, mas acho que existe uma China dentro do imaginário de cada um de nós e desde o dia que soube que iríamos a Shanghai, tratei de alimentar a minha China com o máximo de expectativa possível, exagerando as cores. Descendo do avião, a primeira coisa que fiz foi ligar para casa: sabe que horas são aqui? É de manhã! Boa noite para vocês!
Logo, uma van nos levou até o hotel. Fui todo o trajeto com o nariz colado no vidro do veículo. Só mexia os olhos, totalmente envolvido no processo de autodeslumbramento. Cada carro, cada pedra, cada rosto, tudo me fascinava.