terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Gostar de música é complicado.

Logo que saiu a lista de atrações do Planeta Atlântida desse ano, refiz a mim mesmo uma pergunta que já se tornou recorrente há algumas edições do (já) tradicional evento do litoral gaúcho: será que a amplitude de estilos e gêneros contemplados no evento (pop, rock, rap, reggae, axé, pagode, sertanejo - provavelmente esqueço alguns) não provoca algum “desconforto” no público? Ou será que a grande maioria das pessoas gosta mesmo de música, quaisquer que sejam os formatos ou roupagens? Desconfio que essa minha visão generosa pouco tem a ver com a realidade. Infelizmente.
O Planeta, há algum tempo, já deixou de ser um evento “musical” por excelência – visão minha. O que ocorreria, segundo meu ponto de vista, seria um fenômeno parecido com o que carrega centenas de milhares de pessoas aos balneários do Rio Grande do Sul todos os fins-de-semana do verão e que as leva a enfrentar os intermináveis engarrafamentos, filas e multidões nessas pequenas cidades, sempre mal aparelhadas para tamanho acréscimo populacional, o que contribui para momentos paradoxalmente estressantes para essas pessoas, que acorrem ao litoral em busca de descanso.
O que nos motiva nesse caso é a nossa tendência ao gregarismo.
Estamos sempre prontos ao sacrifício em nome de sentirmo-nos incluídos. O Planeta virou um desses eventos onde ir é estar incluído. Mais do que isso: virou – opinião minha, de novo – um tipo de rito de iniciação para adolescentes.
A música, sob essa ótica, é um simples pano de fundo, ou torna-se isso cada vez mais. Logo, é imperativo que ela não atrapalhe. Os artistas vestem a pele – alguns não tem mesmo outra – de meros entertainers. O gênero, nesse cenário, é completamente secundário, irrelevante até.
Mas esse panorama pode ter outros desenrolares: dá para dizer que essa atitude revela que essas pessoas, na verdade, talvez não gostem de música. Será que isso é possível?
Para explicar essa teoria, vou recorrer a uma analogia, ou até mais de uma. Uma pessoa que vai a um restaurante para encontrar os amigos e pretende que a comida e a bebida simplesmente não atrapalhem, mas simplesmente correspondam às suas expectativas. Ela encontra nessas expectativas o parâmetro segundo o qual o restaurante deve elaborar sua comida ou servir a bebida. Nada de errado até que esse fenômeno não se transforme num padrão. Logo, todos os restaurantes, ou a maioria deles, ficarão muito parecidos, buscando adaptar-se às expectativas de seus frequentadores, que, na verdade, prestam muito pouca atenção a eles, a não ser quando eles contrariam as suas expectativas. Chato, não? Nenhum espaço para algum desafio ao paladar.
Um dia alguém disse que o Big Mac foi elaborado visando agradar ao maior número possível de pessoas, o que ele, obviamente, consegue. O preço é um produto meio que despersonalizado. Aquele que você procura quando não está a fim de uma experiência nova ou mesmo de pensar numa alternativa mais criativa para a sua refeição. Ou seja, quando não está com paciência para pensar em comer, só quer encher a barriga, sem surpresas e rápido.
Ora, a música é – ou deveria ser – uma forma de arte, e arte nada tem a ver com conformismo. Os críticos de artes plásticas costumam chamar, pejorativamente, pinturas ou esculturas feitas para compor ambientes de “arte decorativa”. Há algum tempo atrás, o termo para a música “decorativa” era muzak. Sua expressão mais radical pode ser encontrada naquelas rádios para a quarta idade, que tocam apenas antigos sucessos com arranjos adocicados, inofensivos aos ouvidos. Podem também ser ouvidas nos principais elevadores da cidade. Na década de 80, um estilo nasceu nesse rastro, o New Age. Pretensamente autointitulada de música para uma nova era, essas músicas compunham, exclusivamente, um fundo musical para a vida das pessoas, nada para se pensar sobre, mas simplesmente buscavam não atrapalhar e, em alguns casos, ambicionavam acalmar as pessoas. Nessa “nova era”, possivelmente, a música seria algo realmente desimportante. E chata.
As pessoas possuem diferentes tipos de relação com a música. Um sintoma: os principais sites de venda de música pela rede, como o iTunes, registram uma preponderância indiscutível na aquisição de músicas em relação a álbuns.
Nascido na década de 60, com o disco Sgt. Peppers…, dos Beatles, o conceito de álbum elevou o patamar de pretensão da música pop. Não se tratava de um simples amontoado de músicas abrigadas numa mesma peça de vinil, mas surgia a ideia de uma linha narrativa norteando e emprestando um sentido único a cada música em particular. O “todo” não sobreviveria, ou pelo menos não teria o mesmo sentido sem o conhecimento das partes*. E nem todas as partes são hits ou têm potencial para tal, o que exigia um certo “esforço” dos ouvintes, coisa que parece passar longe de nós ao ouvirmos música.
Nós parecemos buscar, cada vez mais, o recheio do sanduiche. Para que perder tempo com o pão, não é? Aliás, o que é mesmo um sanduiche, já que o próprio conceito se esvazia? Não estamos ficando um pouco preguiçosos? Não estamos nos acostumando muito a ser paparicados pelos nossos “fornecedores”? Não estamos ficando muito tempo na frente de programas e sites que nos sugerem do que gostar ou não e estamos nos acostumando com isso?
Acho que não tem jeito. Para gostar de música, mesmo – e descobrir como fazê-lo é um privilégio – , é preciso estabelecer algum compromisso que envolva tirá-la daquele lugar secundário de nossa vida. É uma escolha particular e pode ser ampliada para as mais diversas esferas de nossa existência: literatura, pintura, teatro, cinema, enfim, a vida. Ou essas coisas todas não são, ou buscam, traduzi-la?
*(ver artigo de Eduardo Vicente, disponível em http://www.compos.org.br/pagina.php?menu=8&mmenu=&ordem=1D&grupo1=&grupo2=)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Mercado Fonográfico

Nossa execução em rádios tem sido objeto de frequentes discussões quando nos reunimos (a banda). Percebemos que nosso espaço na programação de algumas vêm diminuindo cada vez mais ano a ano. Às vezes é difícil não imaginar que talvez a nossa música não esteja mais adequada ao tipo de produto que algumas rádios estão entregando aos seus ouvintes, o que, em alguns casos, não deixa de ser lisonjeiro.
No ano passado fizemos uma turnê em Rondônia, em vários campi da UNIR. De início imaginei que tocaríamos para um público completamente desatualizado de nosso repertório mais recente, cuja execução em rádio ficou um pouco mais restrita ao sul e sudeste do país. Me enganei. Os shows foram fantásticos. O público, sempre grande, cantava praticamente todas as músicas junto conosco.
Imediatamente pensei num fenômeno que precisa sempre ser visualizado em todas as suas nuances: a internet.
Alvo de críticas de vários artistas, que consideram ter sido usurpadas as suas criações, distribuidas descontroladamente por toda a rede, a internet também é uma poderosa ferramenta de divulgação. Também tem a qualidade de passar ao largo das negociações que vêm contaminando o ambiente da mídia.
Poucos setores da economia viram alterações tão radicais nas suas relações de consumo como o da música. O mercado fonográfico - aliado à tecnologia que deu origem aos primeiros aparelhos capazes de reproduzir música gravada em cilindros ou discos - de início chegou a ser visto como potencial destruidor do mercado de música ao vivo, uma vez que permitiria às pessoas ouvir música em suas casas. O tempo mostrou que o desenvolvimento da indústria do disco fez, na verdade, crescer, e muito, o mercado de música em ambos os formatos discos e shows. Por outro lado, a capacidade dessa indústria de produzir e disponibilizar novos produtos num mercado crescente e sempre ávido por novidades é limitada. É simplesmente impossível gravar, distribuir e divulgar toda a música produzida no mundo. Logo, as empresas desse mercado começaram a desenvolver critérios de seleção para o que deveriam ou não gravar. Não é difícil imaginar que esses critérios, que foram sendo depurados mais e mais com o passar do tempo, obedeciam a velha relação custo/benefício, ou, por outra, eram gravados aqueles que representassem menor risco à lucratividade das empresas de gravação. Essas empresas, no entanto, tinham que manter-se atentas às flutuações de gosto e peculiaridades do seu público consumidor, o que implicava que essas então já grandes transnacionais tivessem em seu cast artistas locais dos países onde mantinham filiais.
Para manterem-se atentas, as gravadoras começaram a fazer pesquisas de mercado, a investigar em profundidade as motivações de seu público consumidor. Essa atitude atingiu o seu ápice na década de 80, quando as gravadoras começaram a fabricar artistas sob medida para atender às demandas aferidas nas pesquisas. Foi a época das conhecidas boy bands.
A entrada em cena da internet – associada, também ao desenvolvimento e consequente barateamento dos equipamentos de gravação de áudio e vídeo – atingiu o mercado fonográfico na espinha: caíam o monopólio do registro, da distribuição, o lucro dos direitos (que veio a atingir os criadores, também) e, ao mesmo tempo, abria-se uma outra janela: TUDO – mesmo! - poderia vir a ser gravado e ter distribuição global.
Isso leva a pensar numa reconfiguração de poder. Ela já afetou profundamente os negócios das gravadoras. Como essa nova era vai interferir no poder dos meios de comunicação é ainda difícil de dizer, mas acho que esse rio corre na mesma direção, pulverização e segmentação. E mais poder aos consumidores.
Afora as questões em aberto – nem um pouco desimportantes – que envolvem a remuneração dos criadores de música, filmes, produtores, e investidores – é inegável que a internet trouxe o poder para a mão das pessoas. Nenhuma empresa mais vai selecionar, segundo critérios comezinhos, o que as pessoas vão ouvir. Não somos mais reféns de critérios vinculados exclusivamente à fria lógica do mercado. Isso trouxe, traz e trará, a meu ver, outras questões e problemas bem importantes. Assunto para um outro post.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Link

Nesse link, vídeos do show na Zitarrosa, em Montevidéu:
http://cuatronotas.wordpress.com/2008/11/14/nenhum-de-nos-en-montevideo/

Buscas

Não sou um aficcionado pela técnica, na música. O que realmente me move a criar nesse universo é uma busca diferente. Sou verdadeiramente apaixonado pelo formato pop. Esse formato foi, praticamente, depurado por caras como os Beatles: músicas de até três minutos, introdução, bridges e refrão. Os próprios temas encontravam-se dentro de um universo mais ou menos restrito de opções: na maioria das vezes falavam sobre relações amorosas, bem ou mal sucedidas. Com o tempo, esses e outros caras “desvirtuaram” o formato, introduzindo novas temáticas e elementos, o que acabou por contribuir para o seu desenvolvimento e renovação.
Apesar de parecer um pouco restrito, o “formato pop” é, a meu ver, o que proporciona as melhores descobertas. Ao lidar com ele estamos buscando algum tipo de entendimento – ou tentativa de – do que passa pela cabeça dos outros, o que sempre é um bom exercício. E isso é o que me move, é a minha paixão e minha busca na música.
O curioso em nossa trajetória é que as nossas músicas que me parecem melhor traduzir essas buscas frequentemente não fazem muito sucesso, entendido como resultado em vendas e execução de rádio. Talvez a nossa tradução não ande muito boa. Por outro lado, as rádios, em geral, também não andam (é difícil encontrar alguém que “vista a camiseta” de uma rádio hoje em dia, ou não? Há pouco tempo atrás, nem tanto). Quanto às vendas, bom, quase ninguém anda vendendo bem hoje em dia.
O sucesso pode ser visto por diversos prismas, tantos quanto as suas “fórmulas”, mas eu descobri que tenho uma: fazer algo – música, jardinagem, atuação, escrever, dançar, advocacia, medicina, engenharia de sistemas - com uma convicção diferente do ganho monetário, com paixão (não há palavra melhor) e prazer é garantia de sucesso. Disso todo mundo sabe, mas às vezes é bom ler para lembrar.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Alquimias

Todo mundo já ouviu falar a respeito dos alquimistas. Essas pessoas lidavam – e ainda lidam - com diversas substâncias e buscavam, entre outras coisas, a transmutação de metais menos nobres em ouro. Sempre me perguntei se eles conheciam algum princípio de economia, porque o que confere valor ao ouro, além do seu brilho amarelo, é a sua raridade. Quando fosse possível fazer ouro de qualquer metal, ele se converteria em algo banal e sem valor.
Quando você fazia – algum – sucesso com música, sempre vinha a pergunta: qual a “fórmula” do sucesso?
Isso aconteceu bastante conosco entre 1988 e 1990, depois que emplacamos Camila e Astronauta de Mármore em sequência. Costumo dizer que Camila foi a única música que fizemos nesses vinte e poucos anos de carreira que tive a convicção de que seria um “sucesso”. Logo nos primeiros ensaios ela mostrou a que veio. Lembro que não conseguiamos parar de tocá-la, e toda a vez que repetiamos, eu me arrepiava.
Em nossa trajetória, várias de nossas músicas me produziram uma sensação parecida, algumas delas eu até gosto mais que de Camila, mas nenhuma como naquela vez.
Posso dizer que, de alguma forma, fizemos ouro naquele dia, em 1986.
Com Astronauta aconteceu radicalmente o contrário. A música foi gravada no meio de uma sessão conflituosa no estúdio, depois de uma discussão intensa com nosso produtor, Reinaldo Barriga. Gravamos como vínhamos tocando nos shows, em inglês, foi o Reinaldo quem nos convenceu a versioná-la, coisa de que não tínhamos nenhuma convicção àquela altura. Mas – é público e notório – fizemos a versão de Starman, de David Bowie, uma música nem muito conhecida dentro do próprio repertório do autor, que viria a ser conhecida como Astronauta de Mármore.
O que interessa é que não tínhamos nenhuma convicção a respeito de Astronauta vir a ser um sucesso. Nos shows ela era um “buraco” no repertório, a hora de sair para comprar mais cerveja, até que um radialista no Rio – Andrews - resolver apostar nela. Sua visão se demonstrou vencedora: foi uma das músicas mais tocadas no país em 1989, senão a mais tocada. Fizemos ouro de novo, desta vez por um acidente completo.
O que esses dois exemplos provam é que, se existe alguma fórmula secreta para o sucesso, nós a desconhecemos. Mas o caso de Astronauta teve um desenrolar previsível que me remeteu ao caso dos alquimistas: várias versões de músicas estrangeiras começaram a surgir na mesma época, todas tentando reproduzir o fenômeno da nossa. Mas o brilho amarelo já não surpreendia ninguém.
Um dos paradoxos do “sucesso” é que, quanto maior a sua conquista, a expectativa é que ele se mantenha ou cresça, senão vira fracasso.
É como tentar subir numa escada rolante que desce, se diminuir o ritmo ou parar, o destino é o ponto de partida. Não é difícil imaginar o que isso pode fazer com a cabeça de alguém.
O problema é que o sucesso virou um conceito banal, matemático. Ele é medido pela exposição em rádio, TV, jornais e revistas, em números de vendas de discos e DVDs. Enfim, parâmetros que são domináveis pela imensa maioria das pessoas, facilmente mensuráveis. Até aí tudo bem, a exposição pode vir respaldada no interesse público pela trajetória e produção de determinado artista. Só que existem outros fatores envolvidos.
O pessoal de rádio, TV, revistas e jornais não é bobo. Eles enxergam em seus veículos um ativo fundamental para a carreira desses artistas. Não seria justo, então, que os dividendos decorrentes desses ativos fossem divididos? Afinal, vivemos num sistema capitalista: se eu tenho algo que lhe interesse, seria burrice minha não capitalizar essa nossa relação (convém observar que nem sempre há dinheiro envolvido nessas trocas). Só que isso desvirtua um pouco o conceito de sucesso, não? Ele fica, assim, vinculado exclusivamente à capacidade de investimento e negociação de alguns. É, a roda é melhor redonda.
É bem importante notar que falo do caso geral. Existem exceções, mesmo.
Quando começamos e emplacamos Camila e Astronauta, os veículos eram, na média, mais susceptíveis aos interesses de seus receptores, tanto quanto me lembro. Eram tempos diferentes em que podíamos desenvolver a fé de que uma boa música era capaz de alcançar qualquer distância, de romper quaisquer barreiras. Isso ainda acontece, mas, infelizmente, me parece um fenômeno cada vez mais raro.
Engraçado que vejo cada vez menos a pergunta sobre a “fórmula do sucesso”. Nem para artistas de muito sucesso. Acho que ela já virou de conhecimento público, não precisa mais ser feita, e se for feita e respondida, só há dois caminhos: hipocrisia ou constrangimento.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ideal versus real


Ontem fui conhecer um shopping recém inaugurado aqui em Porto Alegre. É provavelmente o maior de todos daqui. Daqui a algum tempo nós, os portoalegrenses, nos perguntaremos: como era a vida antes dele? Como era possível? Os shoppings existem em todo o mundo, mas acredito que aqui, no Brasil, encontraram seu hábitat natural. Uma possível convergência de fatores contribuiu para o seu sucesso, provavelmente os shoppings correspondam a nossas aspirações de um mundo perfeito: temperatura ideal, iluminação controlada, sem a possibilidade de chuva, piso de granito, banheiros limpos – ok, em alguns casos - , não têm aquela variedade, normalmente desagradável, de odores que ocorre na rua, mas a principal razão apontada pela maioria das pessoas está relacionada com a sensação de segurança que proporcionam, em contraste com a intensa sensação de insegurança da vida nas ruas de nossas grandes cidades. Essa é a contraposição: shopping centers versus “rua”. Mundo ideal versus mundo real. Não poderia entrar em profundas considerações antropológicas e urbanísticas a respeito disso, não tenho respaldo para tanto, mas li há algum tempo uma notícia que sempre me vem à memória quando adentro um desses espaços idealizados para o consumo. A matéria falava a respeito de restrições à consrução desse tipo de empreendimento em Londres. Afora o fato de se tratar de uma grande cidade que busca, de alguma forma, a manutenção de alguma identidade visual, coisa que frequentemente os projetos de shoppings ignorem, o motivo principal exposto na matéria foi o que me chamou mais atenção: Londres queria preservar o comércio de rua – de boa qualidade – por considerar que ele é, em grande parte, responsável pelo charme da cidade. A intensa movimentação de pessoas em ruas como a Oxford e muitas de suas transversais era algo que deveria ser preservado. Esse tipo de questionamento, que nem sempre – ou nunca - passa pelas nossas cabeças, me faz pensar no tipo de cidade que estamos construindo por aqui. Os muros, as grades e também os shoppings segregam a rua e, em nome da segurança, a convertem em um lugar cada vez mais inseguro, uma vez que abandonado. No livro Morte e vida de grandes cidades (Martins Fontes, 2000), Jane Jacobs, que liderou o movimento para evitar que Nova Iorque se tornasse refém dos automóveis diz “É uma coisa que todos já sabem: uma rua movimentada consegue garantir a segurança; uma rua deserta, não”. A autora considera que uma rua com movimento – que, conclusão minha, produza razões para as pessoas circularem nela, como lojas, restaurantes, lancherias e cafés – é uma rua com muitos “olhos”, ou seja, que conta com a vigilância de seus usuários, dependendo menos do policiamento para coibir as ações criminosas. Nossa experiência prova que talvez ruas movimentadas não sejam o suficiente para garantir um ambiente mais seguro, mas, por outro lado, poucos irão discordar que ruas margeadas por grades, muros e as paredes cegas dos shoppings, corredores perfeitos para o trânsito de automóveis, não correspondam a nossa ideia de uma cidade amistosa e boa de morar.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O Sócio

Quando fizemos o show "Click" no Teatro São Pedro, dias 7, 8 e 9 de novembro últimos, convidamos um músico e compositor uruguaio, chamado Federico Lima. Ele tem um projeto solo, no qual se autointitula "Sócio". É um excelente trabalho, que logo deve ser lançado no Brasil, senão, quando for ao Uruguai, recomendo conhecer. Essa história é uma daqueles dias.
O Federico circulava pelos bastidores do teatro, sempre carregando o violão. Parava, às vezes, em algum canto e então ensaiava as músicas que ia tocar conosco à noite no show. Estava bastante empenhado em fazer tudo certinho: se tinha alguma dúvida interpelava a mim e ao Veco sobre os acordes ou sobre a estrutura das músicas.

Já quase na hora do show, ele passava "você vai lembrar de mim" pela milésima vez e então me perguntou sobre a pronúncia correta de determinada palavra. Nem lembro qual. Disse a ele que não se preocupasse com isso, mesmo porque a pronúncia estava correta, só o que havia era o sotaque espanhol e que nada havia nisso de ruim, pelo contrário.
Quando Federico começou a cantar no show a sua parte na música - bastante conhecida do público - foi, literalmente, ovacionado.
Seu "sotaque", como previ, foi recebido com generosidade pelo público.
Independente da profunda simpatia que a sua figura evoca - ele é de fato uma 'figuraça", privilégio nosso tê-lo conhecido - , o que ocorreu naquele momento, a meu ver, transcendeu a simples escolha adequada da música/artista. Assim também foi quando em nosso show em Montevidéu o Thedy procurou comunicar-se em espanhol, imperfeito, mas empenhado em se fazer entender. Tentativa que também foi calorosamente recebida pelo público.
O que acontece nessas circunstâncias parece demonstrar que, ao contrário do que às vezes vemos na mídia, certas "fronteiras", em muitas instâncias, parecem circunscritas à esfera da geografia, aos eventos futebolísticos e aos delírios nacionalistas de alguns - poucos, mas infelizmente com algum poder.
As pessoas comuns, cuja opinião parece freqüentemente "dispensável", parecem enxergar essas fronteiras como elas realmente são: construções externas e estranhas aos seus reais interesses. Elas, no fundo, querem se encontrar, comunicar-se, compartilhar experiências, jogar bola, cantar, rir e beber juntos.
Pelo menos é isso que fazemos quando viajamos pelos nossos vizinhos.

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Como começar uma banda?

Depois de vinte e dois anos de carreira freqüentemente somos tomados como referência. Imaginam-nos autorizados a opinar sobre uma série de assuntos sobre os quais só conhecemos a prática. Costumo desconfiar dessa forma de conhecimento, embora com muita dedicação e algum senso crítico ele talvez possa ser sistematizado e se converter em algo que possa ter alguma utilidade para alguém.
Mas é inevitável que nos perguntem: “Como começar uma banda?”
Durante algum tempo respondíamos de forma esquiva, ou mesmo cínica: “Comecem comprando um afinador eletrônico”, e por aí ia.
Tenho sido, dentro da minha percepção limitada, um pouco mais atento a essa questão. Não é difícil encontrar excelentes músicos em quase qualquer lugar - caras que pegam uma guitarra, baixo, bateria ou teclado e “mandam ver” com uma desenvoltura de fazer inveja a muitos profissionais. Muitas vezes eles se reúnem, fazem uma banda, ensaiam, fazem alguns shows. Eles têm a técnica, têm o equipamento, têm a “imagem”, referências, vontade e tudo o que parece ser necessário para “começar uma banda”. Mas então, nada, ou muito pouco acontece além de uns poucos shows e o divertimento dos ensaios. Logo eles desistem do sonho.
Essas experiências reforçam a impressão de que uma coisa é “começar uma banda”, outra é mantê-la. Talvez as questões fossem mais apropriadamente colocadas se se dispusessem a investigar a profundidade das próprias ambições.
Contardo Calligaris, em uma das crônicas de seu livro “Quinta Coluna”(Publifolha, 2008) discute os sonhos dos adolescentes e sua disposição em transformá-los em realidade. O autor - que é psicólogo e tem vários jovens entre seus clientes - observa que estes vêm sonhando e buscando construir para si futuros cada vez mais comezinhos. Aquelas pretensões que faziam parte do imaginário de quase qualquer jovem – ter uma banda, inclusive - ficaram, cada vez mais, restritas somente à esfera dos sonhos, nunca realizados. Contardo vê nisso – eu também – um prejuízo. Os adolescentes, hoje, parecem pouco inclinados a correr quaisquer riscos em nome de um futuro mais desafiador e menos covencional.
Um dia, conversando com um rapaz, guitarrista, sobre isso e outras coisas, disse a ele uma coisa que pareceu surpreendê-lo: quem sabe, em vez de passar os dias treinando escalas e incrementando o repertório de frases no instrumento, abrir um bom livro? Disse que ele provavelmente não fosse um gênio – sem ofensa, a imensa maioria de nós não é, ou até pode vir a ser, depois de muito trabalho - daqueles que conseguem construir um mundo criativo totalmente auto-referenciado, e que talvez precisasse qualificar a sua opinião sobre o que acontecia em volta dele. Desenvolver uma percepção menos convencional de mundo talvez fosse o que lhe faltasse para produzir algo realmente original.
Não desmereço o apuro técnico, ele também contribui para uma visão menos convencional na hora de abordar o instrumento, mas resumir a busca a isso é – provavelmente – condenar-se a replicar soluções desenvolvidas por caras mais espertos, conectados e… pioneiros.
Lembro de ter lido para a faculdade - arquitetura - um livro que, de várias formas, viria a influenciar minha compreensão de mundo, por conseguinte, minha forma de conviver com a música. Se chama “A História da Arte”, de E.H. Gombrich (LTC, 2000). Não é um livro pequeno, mas sua leitura é fácil e seu ensinamento grandioso.
Esses são, portanto, fatores que considero imprescindíveis para “começar – e manter – uma banda”: os caras geniais são muito poucos, provavelmente você não é um deles – eu sei que não sou - , o que não quer dizer que você não possa fazer coisas muito interessantes e contribuir com o seu toque pessoal e original nessa enorme construção que é o universo da música. Para construir essa sua estrada, um caminho, – que eu acho o mais promissor – um bom começo é desenvolver a curiosidade a respeito de tudo, ou quase tudo, e nunca é demais lembrar: perseverar. Ainda é o único jeito de transformar os sonhos em vida.

Trocas

Quando começamos o nosso site (http://www.nenhumdenos.com.br), logo imaginamos fazer dele um canal de comunicação com as pessoas que, de várias formas, admiram, ou mesmo sintam vontade de criticar o nosso trabalho. Abrimos então a possibilidade de nos remeterem e-mails, que chegam para todos os integrantes da banda.
Poucos acreditam que nós mesmos respondamos as mensagens que nos são enviadas, mas é isso que acontece. Contudo, o que de início nos pareceu uma grande qualidade, com o tempo se revelou um problema. Temos tido pouco tempo e pouca disciplina para manter atualizados os contatos que chegam por e-mail.
As pessoas nos perguntam “porque vocês não fazem um show na minha cidade?”, ou “como consigo encontrar discos, camisetas, bonés da banda?”, ou falam de quanto gostaram de um determinado show ou como gostam da banda (poucas críticas, os que não gostam não perderiam tempo com isso, certo?), ou, os melhores de todos: “a música de vocês me ajudou a atravessar uma fase difícil”, ou “virou o tema de meu relacionamento”.
Durante um tempo me disciplinei – assim como o Thedy, por um bom tempo também - e respondia todas as mensagens que nos eram enviadas, mas acabei sucumbindo a evidência de que seria impossível manter a correspondência atualizada. Uma semana longe do computador implicava em cerca de cem mensagens para responder. Ainda mais porque propus a mim mesmo responder, mesmo que de forma sucinta, cada mensagem sem usar respostas prontas, restringindo a automação à assinatura no final: um abraço, Carlos Stein. Mesmo isso eu mudava, às vezes.
Muito mais do que um “serviço” a favor da banda, logo percebi que o impacto dessas ações produzia em mim muito mais a satisfação pessoal de estar rompendo aquela barreira – que muitas pessoas nessas circunstâncias cultivam, mesmo que neguem – entre o “artista” e o seu público. Foram muitos elogios à minha humildade e desprendimento e, estaria sendo humilde se negasse nisso uma motivação?
Com o tempo esses elogios começaram a passar batido, dando lugar a outros tipos de motivação, uma delas em particular: conhecer um pouco mais desses personagens que ainda nos guardam muito mistério, os admiradores – não gosto da palavra fãs, me soa a convencimento, algum tipo de circunstância imutável que embute a pretensão de uma conquista nossa que implica numa fidelidade eterna – do Nenhum de Nós.
Por outro lado, percebi que a troca não estava sendo muito justa, na medida em que fornecia nas minhas respostas às mensagens mais um pouco da minha persona artística ou as resringia às questões relativas ao “serviço”da banda, enquanto essas pessoas nos contavam histórias muitas vezes tocantes a respeito de suas vidas. Mais de uma vez pude perceber que existia, do outro lado daqueles e-mails, pessoas que tinham alguma curiosidade de ler mais algumas linhas, que revelassem um pouco mais a respeito daqueles caras que, com freqüência e de diversas formas, ocupavam algum espaço em suas vidas. Por isso a idéia desse blog.
Levei muito tempo para criar um blog porque sempre achei muito pretensioso me imaginar palpitando sobre diversos assuntos sobre os quais nem tenho certeza de ter alguma opinião formada. Hoje tenho uma convicção: acho que nunca terei opiniões formadas a respeito de quase nada, mas minha intenção de tornar isso público ainda me soa um pouco pretensioso.
O que me conforta é que é muito fácil para qualquer um que, em algum momento, se revolte com minhas impertinências verbais manifeste essa indignação: me xingue, ou me descarte. Confesso que prefiro a primeira, me permite reconsiderar essas opiniões para uma futura correção de rota, ou, no mínimo, fornece o início de uma boa discussão.