sexta-feira, 29 de julho de 2011

O artista que habita o nosso imaginário e as drogas.

Era o começo do século e um clima de descrença na civilização como um
processo que nos tornaria necessariamente melhores emergia como fruto da
primeira guerra.

O surrealismo, movimento artístico nos anos 20, preconizava que a
consciência era uma barreira a ser transposta para se revelar a verdadeira
Arte. A esfera da consciência era, para vários desses artistas, o lugar onde
se incrustrava a “hipocrisia burguesa”, a “semente do mal”, a responsável
pelo horror. Erigia-se, assim imagem do artista como alguém que transcendia
as trivialidades cotidianas e habitava, por assim dizer, um plano alternativo de
consciência que não o comezinho desfrutada pelos outros mortais, mesmo
que para isso dependesse de alguma “química”.

Se explicava, assim, desde a orelha de Van Gogh até o súbito
desaparecimento de Amy Winehouse dias atrás: É um sentimento de
inquietude, de inadequação próprio da sensibilidade do artista. Um desejo de
que fosse tudo diferente que conduz os grandes “mártires da civilização” aos
excessos e à autodestruição. É, no fundo, por nós esse sacrifício. É uma
necessidade. Falso.

Isto é, é claro, uma construção. E uma construção perigosa.
Vamos nos acostumando a ver processos pelos quais Amy passou como
quase uma contingência da profissão.

Alguns babacas chegaram a defender a tese de que as drogas teriam a
capacidade de fazer submergir o consciente, abrindo, assim as portas para a
percepção e criando o ambiente propício para o exercício da criatividade em
toda a sua potência, sem barreiras.

Não, também não é uma “doença social”. Já cansei dessas teses de que
certas posturas são uma certa imposição social. Bobagem. Isso é só uma
forma de distribuir culpas, não de assumi-las.

Houve quem dissesse que se falou muito mais na Amy drogada do que na
Amy artista. Acho que, infelizmente, é impossível dissociar uma da outra.
Aqui vai uma questão de puro gosto pessoal. Amy era uma boa cantora, sem
dúvida, mas acho que muito de sua visibilidade vem de seu comportamento.
Não possuía, a meu ver, o talento de um Hendrix, Joplin ou mesmo Cobain.

Quando um astro qualquer começa a dar exibições públicas de seus
problemas com drogas começa a autorizar a confusão entre talento e
alteração de consciência no artista que reside no imaginário das pessoas. No
caso de Amy, pessoas de todas as idades, algumas bem jovens, viam no
cabelo, na maquiagem e no estilo de vida dela algo no que se inspirar. E isso
é, sim, perigoso, porque as drogas matam. Isso Amy também mostrou.

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