Prá quem se interessa: compor uma música é, como quase tudo mais na
vida, fazer algumas escolhas.
Recebemos, eventualmente, poemas e letras de outras pessoas com a
ordem explícita: usem! Façam uma música com isso! (Já aproveito e aviso:
não é o nosso sistema. Preferimos dar voz às nossas histórias. É um
exercício que nos motiva de verdade). Quanto à qualidade do material
enviado, varia. Têm coisas boas e coisas ruins. As boas nos parecem boas
por várias razões, mas têm uma qualidade recorrente: elas nos surpreendem.
Já as ruins, por eliminação, têm por defeito dizer as mesmas coisas que todo
mundo já disse da mesma forma. O escritor pensa, orgulhoso: isso tem cara
de letra de música. E não está errado. Têm milhares parecidas. Ele já viu
aquilo que escreveu em várias canções, dito exatamente da mesma forma. O
qua não quer dizer que “não funcione”. Qual é o problema, então?
Essa é uma questão pedregosa, mas acho que me faço entender melhor
assim: se você tem alguma ambição, talvez deva buscar um pouco de
originalidade para alcançar seus objetivos. Dá para imaginar que tem
bastante gente tentando do jeito mais convencional, não? A disputa por
aquele caminho é grande. Agora, ser “original” é tudo, menos simples.
Escrever de uma forma original é, antes de tudo, aprender a enxergar o
mundo de uma forma diferente. Dito assim soa como auto-ajuda, e é isso
mesmo. Ajuda um bocado em todos os sentidos criar uma forma mais ou
menos particular ou, no mínimo, menos “pronta” de pensar sobre tudo. É
difícil, mas é o caminho, senão a sua originalidade vai soar gratuita. Envolve,
sim, dar uma polida na cultura geral. Mas repito: vale a pena. Sei que já falei
isso há uns bons posts atrás. Azar. Sou repetitivo mesmo e não tenho
nenhum problema com isso.
Quase todas as letras que recebemos falam sobre relacionamentos
amorosos. Natural, as relações amorosas são momentos que nos colocam
próximos à música. A sensibilidade fica afiada. As músicas parecem ganhar
sentido nessas horas. A maior parte também fala de relacionamentos mal
sucedidos ou problemáticos. Natural também. É quando passamos por eles
que nos socorremos da música. Além disso, quase todos passamos por
essas situações, o que facilita buscar a empatia do ouvinte. Mas
independentemente de você estar ou não passando pela situação que relata (acho
que é mais difícil fazer uma boa letra quando estamos imersos, embora
achemos mais fácil, do mesmo jeito que um bêbado acha que dirige melhor
sob o efeito do álcool enquanto ziguezagueia pela pista), existem formas e
formas de contar uma história.
Fico pensando: tanta gente gosta de animais de estimação, mas quase
ninguém escreve uma história sobre sua relação de amor – porque não? –
com seus bichos.
Era um dia bem normal
Levei Rex para passear…
Tudo bem, não foi original. Rex, então, nem se fala. Mas o tema é novo. Dá
para ser “romântico”
Gosto do jeito que Rex me olha
Enquanto faz o seu xixi…
Explorar a identidade
Rex é um pouco estranho
Assim como eu
Gostamos das mesmas coisas
Mas eu prefiro fazer xixi em casa.
Brincadeiras à parte, tem uma bem conhecida que sempre me vem à cabeça:
Meu coração
Não sei porque
Bate feliz
quando te vê
Singela. Diz tudo que tem para dizer. Não é nada banal e FOI ESCRITA HÁ
QUASE 100 ANOS ATRÁS por Pixinguinha e João de Barro.
Mas uma dica inesquecível me foi dada por um dos meus mestres: você
precisa ter um MOTIVO. Uma razão para escrever. Nem que seja pelo non
sense. Sem isso, fica tudo vazio e sem sentido. Talvez por isso eu seja um
pouco repetitivo. Nossos motivos não são tantos assim, na maioria dos casos
e talvez viver seja, no fundo, ampliar as razões para escrever. Viver histórias
que valham a pena ser contadas, por mais singelas que pareçam. A ideia é
que desenvolvamos uma forma apurada de VER aquilo que muitos banalizam
com frases feitas e fugir de soluções prontas ou, ainda, brincar com elas mas
SEMPRE, sempre falar exatamente o que estamos sentindo. Isso é difícil, eu
sei, mas sempre original.
Carlos, ótima matéria, muito obrigado. Gostaria de saber se você tem o mesmo problema que eu, quando eu componho a parte instrumental primeiro, o que geralmente ocorre no violão, tenho uma grande dificuldade de fazer uma letra em cima, e quando faço uma letra isolada, tenho a dificuldade de colocar uma melodia.
ResponderExcluirAss. @arielfrainer
Acho que todo mundo sente quando tem um motivo real para escrever uma canção.
ResponderExcluirFeliz daqueles que encontram motivos em pequenas coisas pra escrever, porque às vezes quando a gente força, não encontra sentido em nada, nem ao mesmo no porquê de estarmos tão afim de escrever algo sobre o que nem sabemos.
Uma coisa que absolutamente não contradiz o que disseste, mas corrobora com, é que, em geral, bons escritores são também excelentes leitores...
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