domingo, 15 de agosto de 2010

Contos de Água e Fogo

Cena: gravação de disco. Todos riem, brincam. Parecem estar se divertindo.
Difícil até chamar de trabalho.

A realidade: para qualquer artista minimamente preocupado com a sua
trajetória, gravar um disco pode ser um momento delicado. Pequenas
tensões, discordâncias, contradições costumam covergir nesse momento. Até
mesmo artísticas.

Não são poucos os relatos de bandas que quase acabaram depois de um
novo álbum. Algumas diante de grandes obras. A repercussão positiva
acabou afrouxando as cordas, ou transferindo as questões para o próximo
trabalho.

Na verdade, sempre acreditei numa banda como uma química mais ou
menos complexa, marcada pela espontaneidade e pela conjugação de
personalidades que nem sempre conseguem conviver em harmonia. Como
em qualquer tipo de relação, aliás.

Por outro lado, quantos grupos foram formados a partir de critérios
exclusivamente musicais – as chamadas superbandas – pelos “melhores”
cantores, guitarristas baixistas, bateristas e tecladistas e que construíram
obras infinitamente inferiores àquelas feitas por bandas em que o cara olha
para o braço para se certificar que o ré maior está no lugar certo? É, a
“química” explica o inexplicável.

Voltando à questão da gravação. Acho que conosco, o Nenhum, não é
diferente. É um momento sensível pelos bons motivos que citei. Tudo tende a
ser um pouco difícil, uma nota, um acorde, um timbre, uma preposição. Tudo
passa pelo olhar impiedoso do critério artístico – que tende a ter um caráter
pessoal, mas que na mistura costuma funcionar. Dá “a cara da banda”. A
química, lembra?

É bom e ruim, ao mesmo tempo. E sempre delicado.

Agora estamos com os Contos de Água e Fogo (mesmo o nome passou por
um escrutínio de semanas) e nos deparamos com essa situação outra vez –
a décima quarta. Mas nesse caso específico com contornos um pouco
diferentes, originados também pela percepção de fatores externos, e aí já vai
uma ótica pessoal minha: o “mercado” da música mudou, ou alguém ainda
duvida disso? Ou acha que as coisas vão voltar a ser o que eram?

Parênteses: os músicos, tão ceosos do caráter de sua obra, rejeitam muitas
vezes a considerá-la uma “mercadoria”. Mas muitos desses agora lamentam
o débâcle do “mercado fonográfico”, o que dificultou as coisas para todos. Dá
para entender? Pois é, o “poder econômico” vinculado ao registro,
distribuição e veiculação das obras musicais está se esvaindo, o ideal
igualitário aos poucos se institui. Fecha parênteses.

Voltando: acontece que o Nenhum perdeu, em alguns momentos, espaço em
alguns veículos, como rádios e TV, tradicionais atores da indústria. Natural,
na medida em que este se abre para os artistas que estão surgindo. No
entanto, conservamos uma ótima agenda de shows e, melhor de tudo, o afeto
do público. Conservamos e ampliamos, diga-se. Como e porquê isso
acontece é algo que vinculo à forma como as pessoas consomem e escutam
música hoje em dia. Mais internet e menos mídias tradicionais? Me parece
que sim, muitas pesquisas já mostram que os jovens gastam mais tempo
diante do computador do que na TV, rádio então nem se fala.

O que isso tem a ver com os nossos Contos…, com a nossa química e com
as nossas atuais escolhas artísticas e, mais do que tudo, a pergunta que às
vezes nos fazem quando colocamos um trabalho novo à disposição: qual a
diferença entre esse disco e os trabalhos anteriores do Nenhum?

Contos de Água e Fogo foi, acima de tudo, construído sob a ideia de que o
Nenhum deveria olhar mais para o próprio umbigo. Isso é, reforço, minha
ótica pessoal.

Funciona quase como uma reconquista da liberdade criativa, o tipo de coisa
que acontece quando um artista lança seu primeiro trabalho – muitas vezes,
o melhor, a referência para toda a carreira.

O momento de reconfiguração da esfera da música (com internet, MP3 e tudo
o mais) trouxe uma série de ocorrências meio que inéditas. A principal delas,
e talvez a mais legal, seja a convivência concomitante de diversos estilos,
linguagens e sons, numa variedade até então nunca vista, o que abriu uma
brecha: o que é pop(ular) hoje em dia? Quase impossível dizer. Não que o
que faça sucesso não tenha elementos similares identificáveis entre si, mas o
fato é que, diante de tantas opções, a originalidade é, de novo, o ativo mais
valorizado. Isso, que sempre fez de trabalhar com música uma das coisas
mais legais que existem, voltou com tudo. Também aumentou a exigência,
afinal, tudo tem o seu equilíbrio. Essa é a marca do novo disco.

O fato é que estamos adorando brincar de fazer música, como nos velhos
tempos. Assumimos um compromisso sério com o descompromisso, que é,
no fundo, o combustível da melhor Arte.

Contos de Água e Fogo reflete ao mesmo tempo nossas qualidades e nossos
defeitos, nossas boas e más escolhas, nossa firmeza e nossas hesitações.
Mas nossas. Não existe nada nele que não foque no nosso centro.
Quem já ouviu a música nova já percebeu. E vem mais por aí.

3 comentários:

  1. Carlitos!!!

    To mega ansiosa para poder apreciar os novos "contos de água e fogo" de vocês!!
    Só escuto falar coisas boas sobre essa "nova batida" do nenhum de nós!!
    Está sendo muito legal, para nós fãs, poder acompanhar um pouquinho dessa descontração e também àrduo trabalho no estúdio através do teu site e blog!!! Obrigada por nos proporcionar isso!!
    Adorei o arranjo de Outono Outubro!! o/o/ Parabéns a todos!!

    Bjsss... e até os próximos contos!! =)

    Aiii... Falta muito pra eu ouvir o CD inteiroo?? hehehehhee...

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  2. Estava aqui procurando informações sobre o novo trabalho do Nenhum e dou a sorte de encontrar o seu blog. Putz, mas que satisfação!

    O Nenhum faz parte da minha vida. E é incrível como, hoje, colocar 'Vou deixar que você se vá' pra tocar é viver a mesma sensação que da primeira vez que o fiz, há não sei quantos anos. Arrepiante...
    (a energia do DVD NDN A Céu Aberto é algo indescritível)

    Tenho orgulho de dizer que cresci ouvindo vcs e que quanto mais o tempo passa, mais razões eu tenho para admirar o som e a trajetória dessa banda.

    E que coisa maravilhosa ficar a par desse sentimento de "de volta aos velhos tempos", hein?!

    Salve salve! Vida Longa ao Nenhum!

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  3. Carlos estive em Alto Araguaia e admirei ( e fiquei com um pouquinho de inveja também ) a química existente entre vocês, é por isso que acredito no sucesso de Contos de Agua e Fogo, as diferenças são necessárias para que das argumentações saiam conteúdo, foi assim o tempo inteiro com vocês, não tenho motivo para acreditar que vai ser diferente, a influência das musicas de vocês na minha vida me faz muito bem, agradeço o trabalho que vocês fazem e conto com Contos de Agua e Fogo para fazer parte da minha vida daqui alguns meses.

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