sexta-feira, 28 de agosto de 2009

À antiga

Meu avô, o velho Olivo, era um cara à antiga.
Ele cumprimentava as pessoas.
Não. Nem todos os avôs o são, ou foram.
Agora mesmo sinto o cheiro da caldeira do prédio ao lado. O aquecimento deles é a lenha. À antiga também. Moro no prédio ao lado, mas usufruo o perfume da lenha queimada.
O vô conseguiu uma façanha: morreu na admiração quase unânime. Sei o que se fala sobre unanimidade, mas no caso dele, nada havia de desabonador.
O velho tinha uma característica que demorei a admirar: ele gostava, ou parecia gostar, das outras pessoas. Esse altruísmo se manifestava da forma mais pura e admirável. Através de bons dias e boas tardes. Sinceros, diga-se.
Todo mundo que vive, ou viveu numa cidade pequena sabe que encontrar inúmeros conhecidos cada vez que se sai para a rua é inevitável. Às vezes deve ser um saco, outras não. A sensação de familiaridade pode ser boa e nunca nos abandonar completamente. Acho que o vô conservou isso.
Convivia bastante com ele e posso dizer que nada havia nele de autoritário ou disciplinador. Minha vó cumpria esse papel – que, aliás, é mais feminino do que se supõe.
Meu pai era um bom homem, mas grave e muito preocupado com o papel de provedor da família. Quando finalmente relaxou, já era tarde. O velho Olivo, que nunca aprendeu a guiar, cruzava a cidade a pé, distribuindo seus bons dias e boas tardes. O dito familiar era que se ele passasse duas vezes na mesma rua, fazia amizade até com os cachorros no caminho.
Era magro. Desengonçado, sempre ostentou um bigode que apontava maniaticamente enquanto nos humilhava em qualquer jogo de cartas. E quando a humilhação não acontecia, não hesitava em roubar, mesmo que os adversários fossem crianças de 10 anos de idade. A vó surgia do nada para censurar: é isso que tu ensina pros teus netos?
Me ensinou a jogar bocha, nunca jogou futebol. Coisa de caras bem à antiga. Na praia eram os netos do Olivo e uma turma de sexagenários em torno das bochas e do balim. Vêm daí uma série de expressões que aprendi no italiano incompreensível dos ancestrais e um monte de piadas engraçadas – para rir à moda antiga. Quando uma bocha desviava num dos inúmeros minúsculos objetos que existem em qualquer areia de praia, nós e os vovôs dizíamos: pegou nom osso de grilo!
Prova de qualidade: a criançada estava sempre em volta dele.
Sua profunda sabedoria saída sabe-se lá de onde nunca o permitiu crescer.
Morreu criança. Nunca soube direito a idade dele, nunca quis saber.

6 comentários:

  1. Legal,Carlos!8) Acho que meu vô também tem "uma criança por dentro" tem 89 anos e ainda anda de bicicleta...também joga cartas,conta piadas-algumas bem "pesadas"-diga-se de passagem-Hehe. E o melhor de tudo é que ele se veste de coelhinho da páscoa e papai noel(nas respectivas datas)8D E eu posso dizer que conheço o coelhinho da páscoa e o papai noel(ou seria vovô noel???)hahaha

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  2. Belo texto, Carlos!
    Tu teve muita sorte com teu avô. Eu conheci apenas meu avô materno. Morreu quando eu ainda era bem pequena... Já estava bastante doente. Minha avó é como a tua era, autoritaria. Nunca gostou muito de mim... Sinto falta dessa sabedoria admirável, de tempos passados. Tu teve muita sorte.
    Beijos

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  4. Lindo texto, Carlos... Adoro lê-los! Nunca tive avô, eles morreram muito antes de eu nascer. Talvez por isso eu me encante ainda mais com as histórias dos avôs alheios.
    Mais uma vez, parabéns pela fluência das palavras. Te admiro cada vez mais.

    Bjos da Mari

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  5. Gosto dos avôs relaxados, o único meu que conheci era soturno e grandalhão de botar medo, e ele morreu velho antes de ter morrido criança, uma pena.

    Bem, teus textos continuam ótimos.

    beijo,

    Letícia
    (lá da oficina do Carpinejar).

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  6. É conhecendo as origens de uma pessoa que se descobre como se tornou a pessoa que é. Carlos um cara iluminado.
    Grande abraço

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