terça-feira, 7 de abril de 2009

O Garimpeiro

Toda a mesa dos amigos no bar se curvava na direção do corpo perfeito que adentrava. Ele nem percebia. Seu foco era uma menina de óculos na mesa do canto. Ela conversava com os amigos e o hipnotizava: boca, olhos, cabelo, voz, o jeito delicado que comia o sanduiche aberto: três mordidas. A fatia de tomate às vezes pendia do queixo. É preciso, no mínimo, elegância para lidar com isso. Ela tinha.
Não era feia, de modo algum. Só não era óbvia, e as obviedades lhe cansavam.

Gostava de garimpar mulheres. Não era um catador.

Calças muito justas, decotes pronunciados, barrigas à mostra, umbigos com piercings, cabelos tingidos e alisados, tudo isso soava como uma série de lugares-comuns. O discurso era pobre.
Nada tinha a ver também com beleza interior. Outro discurso pobre. Tinha a ver com beleza mesmo, mas uma beleza que pedisse uma construção compartilhada, um diálogo, não o monólogo das gostosonas.

Tinha desenvolvido o olhar preciso dos apreciadores das artes difíceis.

Como quase todo mundo, havia entrado e saído de diversos relacionamentos. A sucessão de experiências aguçou mais esse seu olhar.
Uma vez namorou uma levemente estrábica – a vesguinha, diziam os amigos. Costumava dizer que aquele jeito de olhar funcionava como um ímã: vivia se postando no lugar onde os olhos apontavam: a centímetros do rosto dela, e os olhos ainda pareciam pedir mais. Um vício.
Outra, vitimada pela praticidade, estava sempre de rabo-de-cavalo. E ainda por cima usava óculos!
Outra ainda era obrigada a usar um uniforme que nada tinha de sensual. Teve que resistir para não apelar que ela o usasse sempre, mesmo nos dias de folga.

Não conseguia, por outro lado, disfarçar o desapontamento quando seus afetos, movidos pelo desejo de encarnar outros personagens, se produziam. Muitas vezes até para impressioná-lo: estou bonita? Diziam. Ele suspirava, contrariado: linda.

Era quase sempre o começo do fim.

6 comentários:

  1. O "garimpeiro" observa a beleza que todas gostaríamos que um homem apreciasse. O jeito desgrenhado do cabelo ao acordar, a ausência de maquiagem ou quem sabe no jeito em que os lábios dela se mexem ao dizer seu nome.
    Piegas, talvez.
    Porém, a naturalidade (que eu ainda não conquistei plenamente devido a limitações que não devem ser mencionadas aqui) fazem sim a diferença, porque mostram o que é e o que pode vir a ser real.

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  2. "Gostava de garimpar mulheres. Não era um catador."
    Uau.
    (boquiaberta!)

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  3. Achei muito legal o texto,Carlos!!!
    E "apareça" mais vezes...hehe 8)

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  4. Mas que belo escritor temos aqui!

    Rafa Ely

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  5. Esse blog ainda vai virar um livro :)

    Bjs
    Lu

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  6. Este comentário foi removido por um administrador do blog.

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