domingo, 17 de abril de 2011

Tenho alma de zagueiro central e nada posso fazer para mudar isso.

Tenho alma de zagueiro central e nada posso fazer para mudar isso.

Dentre as tantas coisas que o futebol ensina – para os que sabem ver – uma delas é
que cada posição exige não só um talento específico, mas uma
personalidade específica para cada jogador.

Não é difícil imaginar que um goleiro deva ser sereno, mesmo quando o time
luta em desespero. Ele deve ser a pedra sobre a qual uma esquadra constroi
a sua jornada. Ele não joga partidas de noventa minutos. Seu destino é fazer
história.

Os atacantes devem ser ousados, letrados na antiga arte do engano, pois
vivem de tentar iludir os zagueiros adversários. Conhecem todas as regras de
cor, com o único intuito de descobrir formas de burlá-las. São o tempero da
personalidade do grupo.

Os meiocampistas devem ostentar sua liderança na postura: peito inflado,
olhar altivo. Sua corrida pelo campo obedece a um compasso diferente dos
companheiros. É o ritmo do pelotão em sua marcha para a vitória. Seu olhar
arguto contém toda a sabedoria e estratégia.

Os laterais são sempre a arma secreta. Olham furtivamente através dos
adversários, buscando um lugar no campo que parece só existir em sua
imaginação, até que se atiram como flechas na direção do alvo. Seu ataque
sempre quer ser fatal.

Já os zagueiros, esses são os verdadeiros soldados em campo. Nesse
grupo, incluo os volantes. São seres sem vaidade. Já entram no jogo
sabedores de que serão ignorados se cumprirem as ordens. Se errarem,
nunca serão esquecidos. Lutam contra um destino do qual não podem
escapar. No jogo com os amigos, eventualmente, começam no ataque. Logo
estão no meio coordenando as jogadas. Sem perceber, escorrem para a
zaga e lá ficam. Pensam: se ninguém que pegar no pesado, pego eu.
Acho que a seleção de 94 foi, talvez, a nossa primeira que tivesse alguma
preocupação com esses personagens. Deu no que deu: um exército
vencedor, mas ainda um exército. Acho também que foi fundamental ter
existido esse time. Descobrimos que precisamos enxergar o jogo também do
meio de campo para trás.

Me descobri com a alma de zagueiro no lugar certo: nos jogos com os
amigos. Aceitei que não tenho a personalidade adequada para as outras
posições. Isso me incomodou durante um tempo, agora não mais.

Descoberta feita, me tornei um admirador dos grandes da posição. Examino
o futebol com outros olhos. A tática e a movimentação dos atletas é agora o
que mais me seduz. A bola é a última de minhas preocupações.

Eu e meu filho assistimos aos jogos do colorado e o time toma um gol logo no
início. Ele me olha com desapontamento e eu – nas vezes em que isso é
verdade, claro – o tranquilizo: fica frio que esse jogo é nosso. Foi só um
acidente. O Inter, então, vira o jogo e eu lhe dou uma piscada (mais um tijolo
na minha imagem de perfeição aos seus olhos. Tenho que me lembrar de
derrubar essa parede…).

A alma de zagueiro, claro, não se limita à prática desportiva. Ela se
esparrama por todas as instâncias da existência, o que é, como quase tudo,
bom e ruim. A pior parte é que cobramos disciplina aos centroavantes,
humildade dos meiocampistas, paciência aos laterais e sangue quente aos
goleiros da vida, o que é um misto de impossibilidade e arrogância.

O lado bom é que, em nossos times, todos sabem que podem contar
conosco, até na hora de lavar as privadas.

Um comentário:

  1. Me incluo nessa! Não sei se esse comportamento é de uma pessoa preocupada com o bem-estar de todos, naquele estilo: "deixa comigo que eu resolvo, chuto com toda a força pela linha laterial". Ou, se sou a pessoa: "Deixa para ela que ela reslve", dessa forma me sinto uma perfeita idiota porque também é legal saber que o resto do time não deixou a bola chegar na nossa área...

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